quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

PADARIA DO SEU MANEL



Escrevi esse texto no dia 28 de maio de 2002.
Tirando os valores ultrapassados, acho que ele ainda serve para alguma coisa.

Designers Associados Silva

- Alô...
- Designers Associados Silva. Bom dia!
- O Silva, por favor...
- Quem gostaria?
- Seu Manuel...
- Um momento...
- Pois não.
- Sr. Silva? Aqui é o Seu Manuel da padaria. Tudo bem?
- Tudo bem. Em que posso ajudá-lo?
- Sabe o que é, to ampliando meu negócio e gostaria de mudar a marca da minha padaria... Quanto custa?
- Bem, como assim?...
- Queria saber quanto sai para fazer uma marca pro meu negócio...
- Seu Manel, os custos podem variar de acordo com uma série de fatores: tamanho, faturamento, classificação do negócio, exposições da marca, possíveis aplicações, etc...
- Tudo bem, mas... Quanto custa?
- Como te falei, o ideal seria marcar uma reunião. O senhor me apresenta as "questões" da marca e "desenhamos" um "briefing".
- Ih! Com esse tal de briefing é mais caro?
- Não, trata-se apenas de uma coleta de dados para que eu saiba como conduzir melhor o trabalho.
- Mas é muito simples: Padaria do Seu Manel... E acabou...
- Tudo bem, mas é necessário uma pesquisa de mercado. Preciso conhecer seu negócio...
- O senhor nunca foi a uma padaria?
- Claro que fui... Obviamente!
- Então é isso! É tudo igual: pão, leite, bolo, frango assado... Essas coisas de sempre.
- Ok. Mas insisto que nos encontremos para levantar algumas questões e fechar o negócio...
- Seu Silva, não me leve a mal, mas acho que o senhor não entendeu. Eu to te ligando para saber quanto custa...
- Bom, então o senhor quer mais objetividade?
- Isso mesmo!
- Segundo a Tabela do Sindicato dos Designers da Região Central da Planície de Montes Verdes, uma marca - incluindo layout, arte-final e manual - custa, exatamente, R$ 3.968,73...
- O que... Tá maluco?!!!
- Como assim?...
- Tá achando que eu sou português?
- Não senhor... Quero dizer, sim Seu Manel. Esse é o preço praticado pelo mercado.
- Mas o meu negócio é padaria... Você sabe quanto custa um pãozinho? Terei que vender milhares de pães pra pagar essa marca... Tá muito caro!
- Mas foi exatamente por isso que eu queria marcar uma reunião com o senhor...
- Com a reunião o preço abaixa?
- Vamos conversar...
- Então tá... Que horas?
- Que tal às 10:30h nesta quarta?
- 10:30h? Muito tarde!
- Mas é meu primeiro horário de trabalho.
- Tá brincando! Eu acordo todo dia as 4:30h da manhã para trabalhar, dia após dia, incluindo sábado e domingo, e o senhor, que chega ao trabalho às 10:30h quer me cobrar R$ 3.968,73 por uma marca?!!!
- Tudo bem, então podemos marcar pro fim do dia... 21:00h tá OK?
- Que isso!... Nessa hora eu já to indo pra cama. Não posso acordar tarde como você não... Tenho que trabalhar!
- Então é o seguinte Seu Manel: nada de reunião, entrevistas, briefing... Na segunda que vem te apresento uns layouts e pronto.
- Mas... Quanto custa?
- Tudo bem, tudo bem... Seu negócio é pequeno. Vou tirar o manual da marca e fazer um grande desconto para viabilizar o negócio: R$ 1.173,47
- R$ 1.000,00 pra arredondar?...
- Tudo bem... Tudo bem...
- Segunda que vem?
- Na próxima segunda um rapaz irá deixar os layouts para sua aprovação.
- Fechado...
- Fechado!
- O senhor poderia me passar o endereço para a entrega?
- Só um momento, vou transferir para minha secretária...

ESPERA: "
Com 73 lojas espalhadas pelo estado, e mais 7 no exterior, a Padaria do Seu Manel é a única que possui uma ampla estrutura de serviços e delivery. Para sua comodidade, acesse: www.padariadoseumanel.com e faça suas compras sem sair de casa. Na Padaria do Seu Manel você encontra mais de 15.000 produtos! Os melhores preços e as melhores marcas estão aqui! Nesse Natal não perca nossa promoção: no mês de dezembro, a cada R$ 20,00 em compras, você ganha um cupom para concorrer a 30 casas!!! Isso mesmo, são 30 casas no valor de R$ 60.000,00 cada! É isso mesmo!... Uma casa por dia! O resultado da Promoção Casa Própria do Seu Manel será divulgado nos intervalos do Jornal Nacional. Participe!
Padaria do Seu Manel, onde quem ganha é você!"

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

MATEMÁTICA



Há pouco tempo atrás eu era o moleque da foto. O que estava lambuzado. O que sorria sem endereço. O que estava rodeado de adultos. O que tinha medo de encarar a câmera por conta da timidez. Hoje eu sou o adulto da foto ao lado.

Falar que o tempo passa rápido é default. Mas, por mais clichê que possa soar, ele passou voando. Sobrinhos vindos dos irmãos, rugas vindas dos tios, tias e pais, missas póstumas vindas dos avós. Nada é bom ou ruim, melhor ou pior. Só é difícil entender porque o tempo existe. Por que a matemática se faz presente além da sala de aula ou do cálculo da ponte. Nunca fui bom em matemática, na verdade, sempre fui péssimo. Mas nunca imaginei que um dia ela me pegaria dessa forma tão prática, tão real, tão latente.

Esse mesmo tempo matemático, que soma horas, dias, meses e anos, provavelmente não me trará nenhuma fórmula, mas almejo que me dê alguma serenidade para entender porque certas coisas acontecem.

Hoje, quando vejo uma foto nova de alguém do passado, personifico essa inabilidade com os números. Nossos ciclos são frágeis dentro da linha do tempo. Mas, nem por isso, somos frágeis. Por mais que a matemática seja um empecilho, aprendi que ela existe para admirarmos o tempo.

O nosso tempo, a cada segundo.


terça-feira, 17 de maio de 2011

AQUI



Faz frio de inverno em pleno outono.
Se digitam ideias bobas.
Bebe-se cerveja preta.
Ouve-se música de todos os continentes sem restrição.
Não tocam todos os estilos de música.
Tenta-se, a medida do possível, manter um estilo.
Pessoas procuram amar e ser amadas, por mais complexo que isso possa ser.
Os livros se abrem e se fecham pela orelha.

Aqui, as unhas se vão.
As lágrimas adubam.
As dúvidas permanecem.
A TV está fora da tomada.
A cama flutua.

Aqui, talvez seja como ai. Se for, sinta-se a vontade para ligar.

Aqui foi.

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terça-feira, 12 de abril de 2011

Jazz

Ela veio por trás. Devagar.
De repente, me agarrou pela cintura.
Ficou na ponta dos pés e cochichou no meu ouvido:
- "É hoje..."
Sem que eu pudesse me virar para enxergar seu rosto, ela esfregou e amassou seus peitos contra as minhas costas enquanto, lentamente, baixou a sola dos pés, tocando o chão e a minha espinha por inteiro. Suas mãos continuavam na minha cintura.
Tentei me virar lentamente...
- "Não olha!... Não te dei esse tipo de permissão."
Entendi. Baixei a guarda e suspirei. Ela, apesar da baixa estatura e do corpo pequeno, se fez de fôrma. Eu, recheio, ia me encaixando nas paredes.
Poucos instantes depois eu estava lá dentro.
Tudo escuro.
Só ouvi os pulsos dessincronizados. Um ritmo atípico, torto, meio jazz.
Quando submergi, estava cego.
Em compensação, meus outros sentidos estavam à flor da pele.
Tentei tocá-la para explorar meus novos poderes...
Era tarde, ela já havia sumido sem revelar sua identidade.
Com o passar do tempo meus sentidos enfraqueceram.
Só ficou a cegueira.
Pobre descompasso.

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