quinta-feira, 7 de agosto de 2008

LOG OFF

Hoje, quando acionei o demorado log off do Windows, não sabia pra onde ir. Deixei a cadeira azul arroxeada do trabalho – sim, minha cadeira tem uma cor indefinida, e o pior, fui eu que escolhi – e bati a porta da agência sem destino certo. Objetivo? Moer ainda mais minha coluna em busca de alguma coisa, alguma referência visual, alguma boa história pra contar. Me dei mal.

Primeira parada: caixa eletrônico, precisava rechear a carteira, nem que fosse de miúdos. Ao sair do banco procurei alguma notícia fresca para o meu diário da noite. Sei lá, uma briga de namorados, uma colisão no tráfego, um louco declamando poesias apocalípticas, uma mísera estrela cadente. Nada. Dei uma alô pra minha sombra, que viajava ao meu lado sobre as pedras portuguesas. Apertei o passo e segui para um endereço mais promissor, um shopping center.

Na entrada, quando a porta automática me deu as boas-vindas, percebi que o shopping estava devagar. Nesse caso, devagar quer dizer muitas coisas. As lojas estavam lá, estampando seus objetos de consumo reluzentes. O vai e vem das pessoas também. Mas nada me chamou a atenção. Ali não tinha assunto. Quando estamos andando sem rumo o estômago cobra pedágio. Não deu outra, Trio Big Bob gordurento com catchup, mostarda e molho de sei lá o que escorrendo entre os dedos. Entre um descuido e outra da minha fome voraz os olhos percorriam cada mesa da praça de alimentação. Nada. Crianças, velhos, office boys, meninas de uniforme da rede pública, vendedores, bancários... Todas na mesma função: mastigar. Estava entrosado.

Terminei minha ceia nada santa e parti para as escadas rolantes. Uma livraria, que bom! Não que eu seja um devorador de livros, mas livrarias oferecem milhões de informações visuais. Capas e mais capas, seções a perder de vista. Comecei pela arte, que me interessa, mas deixei o ofício de lado, lembrei do pacto com o demorado log off do Windows. Passei por revistas, pela seção religiosa, pelos infinitos livros de Direito até parar na mais apoteótica de todas as seções: auto-ajuda. Livros de auto-ajuda me intrigam tanto que nunca fui capaz de ler um sequer. Confesso que tenho um certo medo de acabar um livro desses e, imediatamente, mudar de vida, de personalidade. Sei lá, os livros me lembram catequeses. Enfim, sempre sinto um cheiro de perigo no ar quando empunho algum desses. Mas, cá entre nós, temos que tirar o chapéu para certos títulos. “Quem mexeu no meu queijo”, por exemplo, é um nome digno de nota dez no quesito originalidade. Esse título me lembra os divertidos desfiles a fantasia do Hotel Glória. Carnavalesco que é carnavalesco se veste de “Ascenção e Queda da Civilização Inca” pra cima. Não faz sentido usar a simplicidade no meio de tantos swarovski e penas de faisão.

Deixei a livraria e segui viagem pelas escadas. Nada aconteceu. Não se fazem mais shoppings como antigamente. Onde estão os elevadores panorâmicos? Ultrapassei óticas, papelarias e uma loja especializada em manequins diferenciados (loja de gordo mesmo) e caí na rua novamente. Entre um passo e outro percebi que estava sendo seguido. Me virei repentinamente e desvendei, ao fazer o movimento, que o suspeito em potencial era minha própria sombra. Paranóia de cidade grande brincando com o auto-controle de quem sai na rua sem endereço certo. Pensei em sentar num bar, mas não gosto de beber sozinho na rua, parece coisa de psicótico, de desajustado social. Imbuído de sentimentos e valores que a própria cidade me impõe, optei pelo ponto de ônibus. Cinco, dez, quinze minutos até que o barulhento e desengonçado meio de transporte coletivo chegasse. Era minha última locação, meu último cenário, a última esperança. Aqueles poucos quilômetros poderiam me dar uma história interessante. Nada. Sem boa noite do trocador, sem uma conversa escatológica no banco de trás. Desci no ponto de costume e dei a noite como perdida.

A essa altura, meu corpo implorava por um banho quente. Coloquei um cd de jazz no aparelho de dvd (hoje as coisas são multi-uso, espero ansioso o dia que a geladeira vai me trazer uma cerveja gelada e uma porção de salaminho, só com a força do meu pensamento) e cacei um bloco de notas. A partir daí, você é testemunha.

Enfim, o nada faz parte do dia-a-dia. Ele rouba o tempo, sequestra as expectativas e sepulta minhas garrafas de uísque. Já está mais que na hora de fazer uma viagem internacional para reabastecer o bar com as promoções do Free Shop.

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